Tributário

O Fisco pode requerer a falência da empresa?

Quando uma empresa não consegue suportar o passivo, ela entra em um estado de crise, e seu caixa fica fragilizado. É nesse momento que ocorre a insolvência empresarial e os credores são impactados com o inadimplemento das obrigações, dentre eles a Fazenda Pública.

O credor pode se utilizar da execução individual contra o devedor para buscar o adimplemento de seu crédito. Por outro lado, também pode fazer um pedido de falência da devedora e abrir um processo de execução coletivo para coagir a sociedade devedora a pagar o seu débito.

No entanto, a legislação prevê que, de uma forma geral, qualquer credor pode solicitar um pedido de falência de um devedor, desde que respeitados alguns pressupostos legais.

O procedimento falimentar, trazido da Lei nº 11.101/05, é aplicável tão somente aos devedores empresários. Em relação às pessoas físicas, estabelece-se um regime jurídico civil, regido pelo Código de Processo Civil, através do concurso de credores.

Existem pressupostos para abertura do processo falimentar, sendo: impontualidade do devedor; a execução frustrada; ou pelos atos de falência. Ocorre que, assim como qualquer outro procedimento, exige-se que as partes sejam legítimas, a fim de que não ocorra a nulidade processual. Todavia, a legitimidade de alguns credores para requerer a abertura de um processo de quebra é questionada na doutrina e na jurisprudência. É o caso da Fazenda Pública, que, por meio de seus créditos tributários, se coloca na posição de credora.

O artigo 97 e incisos da Lei nº 11.101/2005 expõem quem poderá requerer a falência do devedor, veja-se que o próprio devedor poderá requerer, assim como nos demais incisos, o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante. Ainda, o cotista ou o acionista na forma da lei ou do ato constitutivo da sociedade e, por fim, o destaque da tese, o inciso IV, que registra a possibilidade de qualquer credor ingressar com o pedido falimentar.

Percebe-se uma lacuna neste artigo, uma vez que qualquer credor é uma expressão muito ampla. Isso possibilita também que a Fazenda Pública, em uma interpretação literal, busque seus créditos por meio da falência.

Outrossim, tem-se a lógica do artigo 10-A, parágrafo 4º-A da Lei nº 10.522/02, a qual expõe modalidades de liquidação para o empresário ou sociedade empresária, dos débitos existentes, ainda que não vencidos, em face da Fazenda Pública, por meio do processamento da recuperação judicial até a data do protocolo da petição inicial. Ocorre que, em caso de inadimplemento do acordo firmado, a lei traz as hipóteses que implicarão na exclusão do sujeito passivo do parcelamento. Todavia, o parágrafo 4º-A, no inciso IV, do referido diploma legal, traz o cerne da questão. Isto é, em caso de descumprimento do parcelamento, a consequência é a faculdade de a Fazenda Pública requerer a convolação da recuperação judicial em falência.

Pondera-se que o artigo acima citado é direto e específico, uma vez que a lei deixa clara a facultatividade do Fisco ao requerer a decretação da falência, bem como sua interpretação e em caso de descumprimento do parcelamento do crédito tributário.

Mas em relação a outras situações, em que a empresa não está em recuperação judicial? Nesse aspecto a lei falimentar não traz expressamente a possibilidade de a Fazenda Pública solicitar a falência. Na verdade, existe controvérsia acerca da possibilidade de a Fazenda requerer o pedido de falência da sociedade empresária devedora.

Percebe-se, que existem posições jurisprudenciais antagônicas em relação à possibilidade de a Fazenda requerer a falência da sociedade empresária. Uma corrente entende que a Fazenda tem legitimidade na medida em que a legislação, em especial o artigo 97 da Lei nº 11.101/2015, menciona que qualquer credor poderá formular o pedido. Já outro posicionamento traz a ideia de que a Fazenda não possui legitimidade, já que não está sujeita a concurso de credores.

Particularmente, filio-me à tese de que a Fazenda não tem a legitimidade para solicitar a falência de uma empresa. Justifico. Primeiro, ressalta-se que a Fazenda possui meio específico de buscar o adimplemento do crédito, através da execução fiscal, disciplinada pela Lei nº 6.830/80. A legislação mencionada traz em seu artigo 5º a competência para processar e julgar a execução do crédito tributário, que por sua vez a exclui de qualquer outro juízo, sobretudo o da falência.

Segundo, porque se aceitarmos a possibilidade de a Fazenda requerer a quebra da empresa estaríamos permitindo que, de forma indireta, ela cobre tributos. Possibilitar e legitimar o pedido de falência pelo Fisco elege caminho alternativo e indireto de cobrança de tributos, o que é considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em várias decisões. Utilizar-se da cobrança indireta afeta diretamente o livre exercício da atividade empresarial, fundado no princípio da livre iniciativa, previsto no artigo 170, caput da Constituição. Conferir legitimidade à Fazenda de requerer a falência do devedor é conceder a ela mais um dentre outros privilégios existentes e previstos em lei, sobretudo porque o Fisco não está sujeito a concurso de credores.

Ainda, em caso de outorga de legitimidade à Fazenda Pública para requerer a quebra da sociedade empresária, estar-se-á falar em um desestímulo empresarial, uma vez que seria impossível superar uma crise econômico-financeira com um pedido de falência. Além disso, a empresa precisaria demitir seus colaboradores, acarretando o desemprego em massa.

Portanto, a resposta mais adequada encontra-se no entendimento de que a Fazenda Pública não detém legitimidade para requerer o pedido de falência, tendo em vista que, primeiro, a Fazenda possui procedimento de execução fiscal disciplinado pela Lei nº 6.830/80 para cobrar seus créditos. Segundo, porque, ao analisar o artigo 187 do Código Tributário Nacional, bem como o artigo 29 da Lei nº 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais), verifica-se que a cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência. Outrossim, com base no artigo 5º da mesma lei, a competência para processar e julgar a execução da dívida ativa da Fazenda Pública a exclui de qualquer outro juízo, inclusive o da falência. Terceiro, pelo fato de que possibilitar a cobrança do crédito pelo processo de falência configuraria cobrança indireta, situação já declarada inconstitucional pelo STF.

Por fim, ao permitir que a Fazenda Pública busque seus créditos tributários pelo procedimento falimentar, estar-se-ia à frente de um aspecto econômico negativo, já que permaneceria em jogo a permanência ou não das atividades da empresa. É cediço que a empresa possui uma função social na medida em que gera emprego, renda e receita para o Estado, a partir do momento em que recolhe seus tributos. Logo, eventual quebra da devedora a pedido da Fazenda certamente causará impacto econômico significativo. Sobretudo, a aplicação do princípio da preservação da empresa é indispensável para complementar a ilegitimidade da Fazenda Pública.

Publicado em
20/11/2023